terça-feira, 27 de julho de 2010

A internet resolve crimes – e isso pode ser ruim


njovem 27 de julho de 2010

Por Rafael Kenski
Em caso de roubo, corra para o Twitter. Não, não é uma piada, mas algo que tem acontecido um bocado mundo afora. No início do ano, uma bicicleta roubada em Nova York foi reencontrada em apenas 2 horas e meia, depois que o dono mobilizou os amigos via Twitter. Um caso mais extremo aconteceu em 2006, também em Nova York. Ivanna perdeu seu telefone Sidekick em um taxi e percebeu, alguns dias depois, que uma menina chamada Sasha o estava usando (esse tipo de telefone armazena automaticamente as fotos e contatos na internet). Quando ligava para pedir a devolução do aparelho, recebia recusas e ofensas, e a polícia se recusava a agir no caso por considerá-lo pequeno. Um amigo de Ivanna criou então um website explicando o caso e pedindo ajuda. Em poucos meses, milhões de visitantes descobriram cada detalhe da vida, da família e dos amigos de Sasha; escreveram músicas sobre ela; fizeram barulho em frente a seu apartamento e chamaram a atenção de jornais, que acabou convencendo a polícia a ir atrás do telefone e trazê-lo de volta.
Em nenhum lugar do mundo esses vigilantes online fizeram tanto sucesso quanto na China, onde receberam o nome de “ferramentas de busca humanas”. Não tem nada a ver com o que o Google faz: são, na verdade, fóruns online onde pessoas discutem crimes ou atos moralmente condenáveis e, de vez em quando, resolvem agir contra o acusado. Eles já foram usados contra políticos corruptos, um marido cujo adultério levou a mulher ao suicídio, autores de comentários tidos com pouco patrióticos e muitos outros. Começa com alguém descrevendo os atos de uma pessoa e pedindo informações sobre ela. Alguns desses casos explodem e se tornam uma gigantesca ação contra o acusado. Discutindo via internet, eles descobrem informações que vão desde nome e endereço até dados bancários e números de telefone. Entram em contato com amigos, chefes e colegas exigindo que a pessoa seja demitida ou punida de alguma forma. Em muitos casos, a vítima perde emprego, precisa mudar de cidade e seu negócio vai à falência. Por ser obra de anônimos agindo pela internet, quase nunca alguém é punido por ter participado de uma “ferramenta de busca”: em apenas um caso, a vítima ganhou pequenas reparações na justiça.
E, é claro, às vezes o alvo de grupos parecidos com esse é inocente ou menor de idade. Nessa semana, Jessi Slaughter, uma americana de 11 anos, publicou um vídeo cheio de ofensas e palavrões em resposta a pessoas que a acusaram de ter tido relações sexuais com um cantor. As imagens se espalharam pela internet, e alguns grupos online partiram para o ataque. Fizeram ameaças por telefone, reuniram informações sobre a família e enviaram pizzas para o endereço dela. A situação piorou ainda mais quando o desavisado pai gravou outro vídeo em que diz ter rastreado os agressores, que enviaria os dados à “cyber-polícia” e que – no melhor estilo “puta falta de sacanagem” – “as  consequências nunca mais serão as mesmas”. Veja o vídeo. Atualmente, a família de Jesse está sob proteção policial.
As novas formas de fazer justiça online são ainda bem pouco compreendidas. Por um lado, elas cobram mais eficiência do governo, resolvem problemas e corrigem injustiças. Por outro, elas podem servir como julgamentos feitos pela própria multidão, seguidos de um linchamento que destrói a vida, a reputação e a privacidade de uma pessoa. Nenhum governo sabe ainda como lidar com a situação. Estados Unidos e União Européia têm, por exemplo, leis de defesa da privacidade, mas elas foram feitas para limitar a ação de empresas, e não de uma multidão online (o Brasil sequer tem essas leis). Além disso, cada pequeno ato em si – como publicar o nome de um membro da família ou o colégio onde alguém estudou – não é um crime: a agressão surge só quando você reúne todas essas mínimas ações. Esse é mais um motivo pelo qual iniciativas para acabar com o anonimato na rede ganham tanta força.

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